Em uma discussão passada com o Psico (um grande amigo), analisávamos sambas de alguns compositores clássicos, principalmente Cartola, Adoniran e Noel. Eu sempre procurava por samba-canção com letras profundas, menos interessado na musicalidade e com foco maior na letra. Já o Psico, com a veia musical mais forte que a minha, achava que no conjunto importava mais a musicalidade.
Dividimos assim os sambas entre os sambas pretensiosos e os despretensiosos. No primeiro haveria letras profundas e uma temática mais engajada, seja em política, amor, paixão, etc. Os sambas despretensiosos seriam com uma temática mais cotidiana, assuntos corriqueiros do dia-a-dia…
Nesse primeiro momento achei que Saudosa Maloca do Adoniran Barbosa fosse um samba despretensioso, contando um “causo” comum da vida: um despejo de um cortiço.
Porém, vi um vídeo no YouTube (postado abaixo) que mudou um pouco a minha concepção sobre essa música. É um especial de Adoniran e Elis Regina de 1978, onde essa música é cantada mostrando cenas da cidade São Paulo da época.
Cheguei a conclusão que se trata de um música que conta a história da cidade de São Paulo, em especial do bairro do Bexiga…
O Bexiga e os bairros do centro de São Paulo não conservaram ao longo de sua modernização a arquitetura original com casarões e prédios antigos. Ao contrário disso, derrubavam tudo e reconstruiam com uma roupagem mais moderna. Isso bate totalmente de frente com a concepção de cidades européias como Madrid, Lisboa e Barcelona, que procuram preservar seus prédios antigos mantendo internamente em perfeitas condições de uso a sua estrutura e externamente conservando a arquitetura. A cidade acaba perdendo sua identidade e sua história…
“Ali onde agora está esse adifício arto
Era uma casa véia, um palacete assobradado
Foi ali, seu moço
Que eu, mato Grosso e o Joca
Construímo nossa maloca”
As casas térreas com arquitetura mais antigas foram todas demolidas dando lugar a modernos e altos edifícios. A história da arquitetura da cidade foi perdida nessa transição…
Retirei umas tomadas desse video do YouTube para evidenciar essa transição:
As memórias de Adoniran acabam sendo demolidas junto com os antigos casarões do centro da cidade. Interessante notar que o Adoniram não se opõe a essa transformação, de certa forma a considera legitima, conforme trecho a seguir: “Os home tá com a razão, nóis arranja outro lugá”…
Talvez possa estar “descobrindo a pólvora”, mas sempre considerei essa música bem despretensiosa não tinha pensado nela num prisma mais histórico da coisa… Enfim, são palavras de um economista sobre música, nada pra ser levado muito sério, hehe.
Segue o video abaixo, ele começa com a música Iracema, só depois começa Saudosa Maloca:
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